2016
Karin Serafin
Foto: Malu Rabelo
"Na segunda peça solo desenvolvida em parceria com Renato Turnes, a dançarina – uma das fundadoras do Cena 11 que, além de compor a diretoria, é a única intérprete a ter dançado todas as obras coreografados por Alejandro Ahmed – radicaliza os desdobramentos subjetivos que o rigoroso treinamento perceptivo da companhia catarinense lhe deu. O percurso que a artista propõe não é dança, também não é teatro e menos ainda performance. Seu poder aí reside: Karin cria uma coisa para qual ainda não há nome.
A caminhada que constitui “Parte da paisagem” convida os que a realizam – de forma direta e sem a rançosa retórica que embriaga parte da produção contemporânea – a lembrar do Rio da Bulha. Antes de ser canalizado por Hercílio Luz (1860-1924) esse rio cortava a avenida que hoje tem o nome do antigo governador do Estado. Sucede que este ponto de partida – uma transformação urbana de larga escala levada a cabo pelo poder executivo – é ponto de partida para uma verdadeira cartografia sentimental (numa acidental práxis do pensamento de Suely Rolnik) do centro antigo.
Quando se pensa no imenso aterro que afastou do centro o mar justaposto ao atual e precário transporte público da cidade se identifica um projeto higienizador de longo prazo disfarçado de melhoria na qualidade de vida e aposta no potencial turístico da paradisíaca terra que chamamos de casa. O que o cirúrgico pensamento em dança de Karin faz é dar a ver as arquitetônicas mobilidades urbanas coreografadas ao longo das últimas décadas. Nelas se incluem os locais destinados à moradia de ricos (beira-mar) e de pobres (morros), a espera da queda dos imóveis de arquitetura açoriana adquiridos pelos protagonistas da especulação imobiliária e o recentemente revertido – principalmente pela ação dos artistas – esquecimento do espaço público como lugar de revolta e festejo. A agenda urbanista, no entanto, se dá a ver não só em dados verificáveis, mas nas frestas afetivas que são alargadas nas histórias pessoais, de moradores e de passantes. Uma cidade – afinal de contas – constitui pessoas ao mesmo tempo em que por elas é concebida."
Anderson do Carmo ¹
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